No ano de 2015, designado pela União Europeia como Ano Europeu para o Desenvolvimento e no âmbito dos 20 anos de atividade missionária dos Leigos Boa Nova, realizou-se o congresso denominado “Queres mudar o mundo? Então vem!” no auditório da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira, no dia 30 de maio.
Neste congresso, abordaram-se três dimensões fundamentais na transformação do mundo: economia social, religião e política. A música não foi objeto de debate, mas de alegria para todos os presentes, como corolário de um dia intenso de reflexão. Subiram ao palco João Afonso e Rogério Pires, presenteando a plateia com as canções do mais recente álbum de João Afonso, intitulado “Sangue Bom”, com letras dos escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa.
A questão apresentada, de forma ampla e transversal, a todos os intervenientes foi a seguinte: o que fazer o como fazer para tornar o mundo melhor? Nos vários campos de reflexão, o testemunho e a visão dos nossos convidados foram muito marcantes e enriquecedores para os presentes, assim como a partilha de ideias que se gerou entre todos num ambiente muito familiar.
Na abertura do congresso, as palavras de D. António Francisco, bispo do Porto, foram de estima e de reconhecimento, não só pelo trabalho dos leigos, mas também pelo trabalho de toda a família Boa Nova. De seguida, o P. Jerónimo fez um percurso pela história dos LBN desde a sua fundação até à atualidade, relevando o papel que os leigos têm na descoberta de vários caminhos de missão no mundo concreto do dia-a-dia, sendo exemplos de uma igreja em saída.
Mudar o Mundo pela Economia Social
Na abertura do painel relativo à Economia Social, introduzido por Sérgio Cabral, juntou-se a todos os presentes, via skype, as leigas missionárias Diana Salgado e Sofia Silva, que se encontram na cidade do Chibuto (Moçambique) numa missão de longa duração. Para além do testemunho pessoal de cada uma, sobre o trabalho que têm desenvolvido ao longo de mais de uma década como leigas boa nova, concluíram lembrando as palavras do P. Manuel Neves, missionário da Boa Nova recentemente falecido: “Ser missionário, deixar sua família e cultura, não é sacrifício, mortificação, renúncia… É livre preferência, alegre investimento, imensa alegria e enriquecimento”.
Ainda no âmbito do mesmo painel, Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, começou por definir “economia social”, como economia de partilha. Para ele, a centralidade das pessoas é fundamental na vida das ONGD: o rosto concreto das pessoas deve estar no centro da cooperação para desenvolvimento e não o dinheiro; por isso, toda a ajuda deve ser pensada e realizada a partir das pessoas, com as pessoas e para as pessoas. Outra ideia a destacar na sua intervenção, refere-se à importância do equilíbrio entre as dimensões económica, social e ambiental num processo de construção de um verdadeiro desenvolvimento humano. E como fator integrante destas dimensões, apresentou a dimensão espiritual.
Mudar o Mundo pela Religião
O painel sobre a religião contou com a presença do Dr. Jaime Soares (Mahmoud), professor de filosofia e membro da comunidade Islâmica do Porto, do P. Augusto Farias, missionário da Boa Nova, e do P. Jerónimo Nunes no papel de moderador. O Dr. Jaime Soares começou por dizer que o próprio congresso constituía, em si mesmo, uma forma de mudar o mundo e prosseguiu com algumas ideias importantes que, de seguida, se transcreve:
– “Quanto mais caminharmos ao lado de Deus, melhor será o caminho da vida”.
– “O muçulmano é chamado a ser submisso a Deus e a praticar a verdadeira Jihad, que deve ser entendida como “uma luta interior que significa abandonar os maus hábitos pessoais e sociais, resistir aos maus desejos, partilhar com os pobres de forma efetiva, ter paciência, perdoar, ser justo, bondoso e ter compaixão pelos outros. E essa luta não se deve esvaziar nos seus conceitos. Fazem parte da vida de um muçulmano.”
– “Mudar o mundo não é mergulhar num monolitismo de pensamento, segundo o Islão. Não é coagir nem impor ideias, nem usar de brutal violência para aniquilar ou dizimar comunidades inteiras. Elas são anti-islâmicas. A palavra Islão, no seu sentido mais profundo, significa paz”.
O P. Augusto Farias começou por responder à questão central deste congresso com um ensinamento de Baden Powell, fundador do escutismo. Referindo-se aos seus escutas, Baden Powell dizia-lhes que cada um deveria deixar o mundo melhor do que o encontrou e que para tal seria necessário que cada um tivesse uma religião. Para ele, o ser humano pouco pode fazer se não acreditar em Deus e obedecer às suas leis. A religião é, então, fonte de bem para toda a sociedade. Elas estão ao serviço do ser humano e da sua felicidade. O problema surge quando existe uma instrumentalização da religião para benefício pessoal ou ideológico, dando lugar aos radicalismos e aos fundamentalismos.
Mudar o Mundo pela Política
O painel sobre a política juntou duas gerações distintas: por um lado a Dra. Teresa Ferreira, técnica da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e a Rafaela Silva, 2.ª vereadora do projeto Jovem Autarca; e por outro lado, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, atual comentador político de uma estação televisiva e com um vasto currículo na vida política portuguesa. A moderação esteve a cargo de Rui Luzes Cabral, presidente da Junta de Freguesia de Loureiro. A Rafaela, de apenas 14 anos, salientou que este desafio mudou a sua perspetiva acerca da política. Agora entende que nada se conquista do dia para a noite e que numa “política nobre”, antes do veredicto final, muito se altera e raramente o último plano é tal e qual o primeiro. Segunda ela, a democracia deve começar por cada um de nós e o simples gesto de votar é o primeiro passo para a mudança. Tomando as palavras de Martin Luther King, disse que “mesmo se o mundo acabasse amanhã, eu ainda plantaria a minha macieira”. E concluiu: “sou jovem, mulher e política. Agora pensem!”
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na sua intervenção, definiu-se como católico, ficando bem patente que essa realidade não é lateral na sua vida. Na sua perspetiva, se os cidadãos têm a missão de mudar o mundo, então os cristãos têm a “missão reforçada” de mudar o mundo. Os cristãos não agem em nome pessoal, mas em nome de Deus, de uma Igreja, de uma comunidade e isso constitui uma grande responsabilidade. A eternidade é para começar a construir-se nesta terra. Por isso, cada passo que damos no serviço dos outros, é um passo de construção de eternidade. Em sentido inverso, a passividade ou a omissão constitui uma violação à nossa missão.
Numa abordagem ao que se deve entender por política, referiu que a política é tudo o que nós fazemos, desde que nascemos até que morremos. Ela começa nas pequenas grandes decisões da nossa vida. Por isso, estamos permanentemente a fazer política. A “política dos outros”, que se vê na televisão, ou seja, dos governantes, dos autarcas ou dos juízes é, apenas, uma pequena parte da política.
Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mudar o mundo pela política é sobretudo operar essa mudança em instituições nacionais. Isto não significa que não defenda o empenhamento na vida partidária, mas acha estranho que se comece por aí. O risco da descolagem da realidade é enorme, salvo na política ao nível local.
Referindo-se à participação dos jovens na vida política, o Professor está seguro de que eles nunca fizeram tanta política em Portugal como hoje, dando como exemplo o empenhamento de muitos jovens em movimentos juvenis, em IPSS’s, em Misericórdias, em órgãos de informação local e em associações culturais e desportivas. No que se refere à política, entendida num sentido mais restrito, Marcelo Rebelo de Sousa considera que os jovens estão distantes do discurso e da prática de alguns políticos, mas não da política.
Quanto à participação dos cristãos na vida política, reconheceu que é necessária uma presença cristã mais ativa e marcante nas escolas, no mundo da cultura e na comunicação social. Para ele, faz falta uma esquerda cristã, com voz profética, na sociedade portuguesa, e isso constatou-se no referendo sobre o aborto.
Por fim, salientou a importância das mulheres na vida política, entendida num sentido mais restrito do termo, porque, de entre várias razões e de um modo geral, têm mais noção do concreto e, segundo algumas estatísticas realizadas em países nórdicos da europa, são mais honestas no exercício do poder.