“Ver para lá dos muros, para mim, não significa, apenas, ter esperança num mundo melhor, mas acima de tudo, ser semeadora de esperança no coração dos que mais sofrem, materialmente ou espiritualmente, e que por vezes estão muito perto de nós”.

Chamo-me Diana Salgado, sou natural de Guimarães e desde cedo aprendi a ver para lá dos muros que se vão erguendo diante dos nossos olhos e que, sem quase darmos por isso, nos vão fechando num mundo pequenino com todas as comodidades que a cegueira da indiferença nos oferece.

Ver para lá dos muros, para mim, não significa, apenas, ter esperança num mundo melhor, mas acima de tudo, ser semeadora de esperança no coração dos que mais sofrem, materialmente ou espiritualmente, e que por vezes estão muito perto de nós.

Quando era estudante, liguei-me à JOC (Juventude Operária Católica), assumindo a luta por mais justiça social e pela igualdade de oportunidades no trabalho. 

Mais tarde, após ouvir alguns testemunhos de missionários pertencentes à Sociedade Missionária da Boa Nova, despertei para a necessidade de trabalhar na missão da Igreja junto dos mais pobres dos pobres, tornando-me voluntária dos Leigos Boa Nova.

Após um período de formação, parti para Chapadinha (Maranhão, Brasil) por dois anos (2005 e 2006) e, dez anos depois, para o Chibuto (Gaza, Moçambique) por mais 2 anos (2015 e 2016). Nesse intervalo trabalhei no Lar de Santa Teresinha, em Cucujães (Oliveira de Azeméis), e como voluntária, nos Leigos Boa Nova.

A missão em Chapadinha foi o concretizar do ideal da missão: uma igreja profética, de anúncio e denúncia; o testemunho de vida dos missionários com quem convivi, a alegria e a beleza de uma fé vivida, pautada pelo evangelho.

Depois desta missão, senti a responsabilidade e o compromisso de não colocar estes dois anos na gaveta. A experiência de viver noutro contexto sociocultural, ao serviço dos mais vulneráveis, ajudou-me a fortalecer o meu compromisso missionário. De 2007 a 2014, em Portugal, dediquei-me a realizar ações de sensibilização em escolas e paróquias, a trabalhar na integração de imigrantes provenientes de países do leste europeu, a colaborar na formação de voluntários, na animação missionária, na angariação de fundos para diversos projetos, sobretudo em Moçambique, e no trabalho com idosos.

A missão no Chibuto foi a vivência de uma “Igreja pobre para os pobres”, como idealiza o Papa Francisco. Andei nos bairros, nas comunidades, morei na realidade quotidiana dos mais pobres. Aí vi pessoas com fome. Com a seca, as machambas ficaram estéreis, tudo o que se semeava morria e a inflação terrível do país não dava poder de compra àqueles que viviam da enxada. Aí vi a solidão e o abandono, nomeadamente, de idosos acusados de feitiçarias e por isso, eram desprezados.

Aí vi doença, morte precoce, mas também vi muita esperança e muita vida. Por isso, eu e a restante equipa missionária da paróquia do Chibuto deixámo-nos levar pela esperança. Ajudámos bebés órfãos a ter acesso a leite, crianças a ter uma escola com melhores condições materiais e pedagógicas, idosos a ter pelo menos uma refeição por dia, dezenas de pobres a ter uma casa digna.

Regressei a Portugal no início de 2017. Foi-me diagnosticado um cancro. Depois de sentir na pele as dores dos outros e de ousar semear neles a esperança de uma vida melhor e de um Deus que nos ama e salva, não podia imaginar que se erguesse um muro tão espesso e tão alto diante dos meus olhos. Com a ajuda de familiares, amigas e amigos, pude ver para lá desse muro e ultrapassá-lo. Foram e são esperança para mim, tal como eu fui e sou para outros.

Para terminar, tem razão Anatole France quando nos diz que “nunca se dá tanto como quando se dá esperança”. E tu, tens semeado a esperança?